quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

História de Ruy Carlos Vieira Berbert -XXIII-Vanderley-Revista















Ruy Carlos Vieira Berbert
Militante do MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO POPULAR (MOLIPO).

Estudante universitário.

Nasceu em Regente Feijó (São Paulo), no dia 16 de dezembro de 1947, filho de Ruy Thales Jaccoud Berbert e Ottilia Vieira Berbert.

Desaparecido em 1972, aos 25 anos de idade, assim permanecendo até 30 de junho de 1992, quando a Justiça reconheceu sua morte em 2 de janeiro de 1972, na cidade de Natividade (Tocantins).

Poucas informações se tinha a respeito de Rui Carlos e de seu desaparecimento. Sua morte foi admitida por um general estreitamente ligado ao aparelho repressivo em entrevista fornecida ao jornal “Folha de São Paulo”, em 28 de janeiro de 1979.

Foi indiciado no inquérito 15/68, referente ao XXX Congresso da UNE, em Ibiúna/SP. Em 27 Julho/72 foi condenado pela 2ª Auditoria da Marinha à pena de 21 anos de reclusão.

Em meados de junho de 1991 foi entregue por Hamilton Pereira, membro da Comissão Pastoral da Terra, à Comissão 261/90 da Prefeitura de São Paulo, criada no governo da prefeita Luíza Erundina, para acompanhar a identificação das 1049 ossadas encontradas na vala clandestina de Perus, um atestado de óbito em nome de João Silvino Lopes, causa mortis: suicídio, datado de 02 de janeiro de 1972, em Natividade (na época, Estado de Goiás). Havia probabilidade de ser de um militante desaparecido político.

Na ocasião, não se tinha a possibilidade de identificar este provável militante. Este nome não constava na lista dos desaparecidos políticos. Caso fosse um nome falso, era necessário mais informações para identificá-lo.

Em Janeiro de 1992, quando se teve acesso aos arquivos do DOPS-SP, encontrou-se uma relação elaborada a pedido do Dr. Romeu Tuma intitulada: “Retorno de Exilados”. Na relação das pesssoas, estava o nome de Ruy Carlos Vieira Berbert com as seguintes observações: preso em Natividade, suicidou-se na Delegacia de Polícia, em 02 de janeiro de 1972. Concluiu-se que João Silvino Lopes era o nome falso de Ruy Carlos Vieira Berbert e buscaram-se meios para prosseguir nessas investigações. Solicitou-se à Comissão de Representação da Câmara Federal ajuda para investigar, naquela cidade, a verdadeira identidade do morto.

Organizou-se uma caravana integrada pelas seguintes pessoas: o Presidente da Comissão de Representação Externa do Congresso, deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG), deputado federal Roberto Valadão (PMDB-ES), Idibal Piveta, advogado da família de Ruy Carlos Vieira Berbert e representante da OAB-SP, Hamilton Pereira, da Comissão Pastoral da Terra, de Goiás e Suzana Keniger Lisboa, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Os integrantes da Caravana tomaram os depoimentos de populares que presenciaram os fatos da época. Foram entrevistados alguns moradores, funcionários públicos e membros da PM, que confirmaram que Ruy Carlos e João Silvino eram realmente a mesma pessoa.

Feito levantamento das sepulturas do Cemitério e localizado o possível local do sepultamento, foi encaminhado à Justiça pedido para reconstituição de identidade e posterior exumação e traslado dos restos mortais. Contatos com o Prefeito e o Governador do Estado foram feitos para providenciar as medidas necessárias para guarda da sepultura localizada.

No dia 30 de junho de 1992, a juíza de Direito da Comarca de Natividade, Dra. Sarita Von Roeder Michels, concluiu os termos de retificação da Certidão de Óbito, requerida pelo Sr. Ruy Jaccoud Berbert, pai de Ruy Carlos. O parecer da juíza diz o seguinte: “A documentação acostada aos autos não deixa quaisquer dúvidas de que Ruy Carlos Vieira Berbert seja a mesma pessoa que morreu na cadeia pública desta cidade de Natividade, foi sepultado no Cemitério local e cujo óbito lavrou-se em nome de João Silvino Lopes.”

Em seguida encaminhou o cancelamento do registro de óbito em nome de João Silvino Lopes e foi lavrado novo assento que registra o óbito de Ruy Carlos Vieira Berbert, falecido em 02 de janeiro de 1972, às 3:00 horas na cadeia pública da Praça Senador Leopoldo de Bulhões.

Seu corpo, entretanto, não pode ser localizado, apesar das tentativas realizadas pela Equipe do Departamento de Medicina Legal da UNICAMP. No dia 19 de maio de 1992, em Jales, São Paulo, uma urna funerária vazia foi depositada no jazigo da família Berbert, simbolizando o enterro de Ruy Carlos, vinte anos após sua morte.

De sua mãe, D. Ottília:

“Rui Carlos tinha uma única imã, Regina Maria Berbert Pereira. Ele passou a adolescência em sua terra natal. Sempre foi uma pessoa tranqüila e bondosa, especialmente para sua família.

Ao concluir o Curso Científico, deixou sua cidade seguindo para São Paulo com o intuito de se preparar para o vestibular e conseguiu, para tal, bolsa de estudos integral. E venceu essa etapa na vida estudantil conseguindo ser aprovado na PUC e USP, com distinção. Com o resultado dos vestibulares, optou pelo seu ingresso na USP, no curso de Letras.

Porém, após um ano, trancou a matrícula e começou a ministrar aulas em cursinhos particulares, entre outros no Capi-Vestibulares, na Av. São João e também num cursinho da Liberdade. Neste ínterim, iniciou seu envolvimento nas atividades políticas estudantis, quando, em outubro de 1968, foi preso em decorrência de sua participação no Congresso da UNE, em Ibiúna.

Após a sua prisão retornou à sua terra natal, permanecendo uns 15 dias e voltando logo em seguida para o Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, onde morava, continuando a sua participação nos movimentos estudantis, até que, por motivos óbvios, se retirou do país.

Logo após sua saída do país, no final de 1969, em dezembro, recebemos uma carta da Europa na qual reconhecemos a letra dele. Porém, percebia-se claramente que, por motivos de força maior, dizia estar como turista pelo velho mundo, que estava bem, mas que seria muito difícil nos escrever sempre. Meses após recebemos um bilhetinho escrito às pressas e falando apenas que estava bem e que pensássemos sempre nele com carinho.

A partir daí saíram algumas notícias na imprensa sobre ele, tais como:

25/11/78: ‘Folha de São Paulo’ - O Congresso Nacional pela Anistia divulgou uma lista de 37 nomes de pessoas mortas e desaparecidas a partir de 1964 e nela constava o nome de Ruy Carlos como desaparecido em Dezembro de 69.

28/01/79: ‘Folha de São Paulo’ - 13 nomes de desaparecidos, cujas fichas estavam no ‘necrotério’ de um órgão de segurança em dezembro de 1973 e que são dados como desaparecidos pelas famílias e organizações de defesa dos direitos humanos; consta que o desaparecimento de Ruy Carlos está ainda em investigação.

03/08/79: ‘Correio da Manhã’ - Rio - Noticia uma lista de 14 nomes, com este título: ‘Estes desaparecidos foram mortos’. Entre esses nomes estava o de Ruy Carlos.

18/08/79: ‘Estado de São Paulo’- O Dr. Idibal Piveta envia carta ao Ministro da Justiça, Petrônio Portela, solicitando informação de Ruy Carlos e outros.

22/09/79: ‘Folha de São Paulo’. O Juiz Antonio Carlos de Seixas Teles, anistiou várias pessoas condenadas por atividades estudantis contra a segurança nacional e entre elas estava o nome de Ruy Carlos.

01/08/1991: ‘Diário Popular’ noticia trabalho feito em Curitiba pela Comissão Especial de Investigação, onde foram encontradas fichas de 17 desaparecidos em um arquivo de aço, com a identificação “falecidos”, constando o nome de Ruy Carlos.

Após este histórico sobre a vida de Ruy Carlos, gostaria de mostrar a luta constante pela qual passamos, na busca incerta da solução de um passado certo.

Apesar dos fatos comprovarem a quase certeza de sua morte, nós vivemos mais de uma década com a esperança e o sonho de vê-lo novamente.

A partir do momento em que tivermos a certeza de que ele não voltaria mais, passamos a viver momentos ainda mais angustiantes e mais uma década se passou.

Hoje, o nosso maior sonho é conseguir dar para Ruy Carlos um lugar digno de grande herói que foi. É esta a nossa última e grande esperança.

Se assim o conseguirmos, não olvidaremos jamais a grande luta dos amigos e, porque não dizer, irmãos, que lutam e lutaram para a elucidação de uma época tão negra para nós.

Esperamos que a História nunca se esqueça de mencionar esses jovens heróis, muitas vezes anônimos para a maioria da população alienada a respeito dos acontecimentos passados.

Todavia, para nós, Ruy Carlos Vieira Berbert não é um herói anônimo pois, além de dar a sua contribuição para as grandes transformações sócio-políticas brasileiras, nos é lembrado como um filho digno das mais belas recordações, como um ser humano maravilhoso que foi: jovem, belo, inteligente, honesto e carinhoso que soube lutar pelos seus ideais.”



Desaparecidos: à margem do rio dos Mortos

Hoje, no Brasil, ainda são 144 os desaparecidos políticos da ditadura civil-militar. Corpos à espera do sepultamento. Familiares à espera de concretizar o luto, de acabar com a incerteza. Almas à espera da travessia do Aqueronte. Como definiu Ivan Seixas, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, “são os fantasmas que voltam sempre. São os fantasmas que querem lembrar que não podem ser esquecidos”. A reportagem especial é de Paula Sacchetta, publicada originalmente no Brasil de Fato.

Paula Sacchetta - Brasil de Fato – 02/08/2010

Queres tu, realmente,

sepultá-lo, embora isso tenha

sido vedado a toda a cidade?

Fala de Ismênia na tragédia Antígona



Cena 1: o começo ou sepultamento inusitado

Segunda-feira, 18 de maio de 1992. Em Jales, a 600 quilômetros de São Paulo, um caixão fechado é velado na Câmara Municipal. Foi decretado feriado, a cidade inteira está parada. A Câmara está lotada. Presentes crianças e adolescentes, gente de todas as idades. É um dia de sol muito quente, daqueles que nem ferro de marcar. Após o velório, um cortejo segue a pé até o cemitério.



Depois de anos de busca do filho desaparecido, Ruy Thales consegue enterrá-lo. O caixão é finalmente depositado no jazigo da família Berbert. Dentro dele, porém, não havia um corpo. Nem restos mortais. Apenas um terno completo e os sapatos de Ruy Carlos Vieira Berbert, desaparecido desde 1972. Objetos que haviam permanecido até então intocados em seu quarto, para “caso ele voltasse”.



Antes do início das cerimônias, Ruy Thales, o pai, chamou Amélia Teles em casa para tomar um café. Ela estava em Jales representando a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. “Ele havia me chamado para o enterro, mas eu sabia que os restos mortais não haviam sido encontrados. Aceitei o convite e não perguntei nada. Ele também não me disse nada”.



Depois do café, o conteúdo do caixão foi revelado. Naquele dia, Amélia foi cúmplice de Ruy Thales. Ninguém, além dos dois, sabia que o ataúde estava praticamente vazio. O pai já estava bastante idoso, e, prevendo que morreria logo, quis enterrar o filho. Mesmo sem ter um corpo. No fim do dia, depois do ato na Câmara e do enterro, deu um jantar para 80 pessoas. “Era uma mesa enorme, parecia um banquete”, conta Amélia. O pai de Berbert morreu pouco tempo depois. Mas conseguiu enterrar seu filho.



Cena 2: Ruy Carlos Vieira Berbert, presente!

O ritual foi a forma encontrada pela família Berbert para acabar com a espera. A maneira de encerrar o luto que já durava 20 anos. Estavam se libertando de um fantasma que, até hoje, assombra a vida de famílias inteiras: filhos, pais, mães e irmãos. Hoje, no Brasil, ainda são 144 os desaparecidos políticos.



“Não pode haver aceitação da ideia de que ainda existem mais de 140 brasileiros que muitos vivos sabem onde estão seus corpos ou como seus corpos deixaram de existir”, afirma Paulo Vannuchi, à frente da Secretaria Especial de Direitos Humanos desde o final de 2005.



O caso de Ruy Carlos Vieira Berbert é emblemático. Nascido em Regente Feijó, no interior paulista, em 1947, veio para São Paulo tentar o vestibular da USP. Passou em letras, começou o curso e se tornou militante no movimento estudantil. Mais tarde, passou à luta armada. Em 1969, viajou, pela ALN – Ação Libertadora Nacional, organização de maior expressão no cenário da guerrilha urbana, nascida como dissidência do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e que teve Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira como dirigentes –, para Cuba, de onde retornou como militante do Molipo – Movimento de Libertação Popular, surgido a partir de um racha da própria ALN.



A maioria dos que voltavam do treinamento na ilha socialista já chegava ao Brasil “queimada” e procuradíssima pela repressão. Quando os serviços de informação da ditadura souberam que os integrantes do Molipo estavam se espalhando de forma clandestina para dentro do país, o governo baixou uma ordem exigindo a prisão de todo e qualquer estranho recém-chegado às cidades do interior.



O turista relâmpago

Na virada de 1971 para 1972, Berbert instalou-se em Natividade (na época, em Goiás, hoje, no Tocantins), em uma pequena pensão. No dia seguinte, foi preso enquanto conversava tranquilamente na calçada com a filha do dono do estabelecimento.



A delegacia da cidade era bem antiga. Suas celas possuíam amplas janelas gradeadas que davam para a praça principal. Da janela, o preso conversava com as pessoas que por ali passavam. Em algumas horas, o militante tornou-se celebridade, quase uma atração turística. Ficou conhecido.



Dois ou três dias após sua prisão, baixou em Natividade “o pessoal de São Paulo”, como eram chamados os agentes do DOI-Codi. Nesse mesmo dia, Berbert apareceu enforcado em sua cela. A versão oficial: suicídio.



No dia seguinte, um grande proprietário de terras da região, não muito querido pela população local, também morreu. Os dois corpos partiram em cortejo rumo ao cemitério, seguidos por boa parte dos habitantes daquela cidade. Os agentes da repressão acreditavam que era por conta da morte do latifundiário, mas as pessoas estavam seguindo Berbert, o turista relâmpago, que, embora tivesse ficado tão pouco tempo na cidade, angariou simpatia e admiração, e que, do mesmo jeito que chegou, foi-se embora num piscar de olhos. Enterraram o latifundiário na ala “dos ricos” do cemitério, e o militante, numa vala comum, junto aos indigentes.



A família Berbert passou a ter informações sobre o filho somente através de notícias de jornal. Em 1979, um general ligado ao aparelho repressivo admitiu sua morte em entrevista concedida à Folha de S. Paulo. Na ocasião, dona Ottília, mãe de Ruy Carlos, disse ao grupo Tortura Nunca Mais que gostaria de mostrar a luta constante pela qual passaram, na busca incerta da solução de um passado certo: “Apesar dos fatos comprovarem a quase certeza de sua morte, nós vivemos mais de uma década com a esperança e o sonho de vê-lo novamente”.



Corpo que não era corpo

Apenas em 1991 começaram a obter dados mais concretos. Um atestado de óbito com o nome de João Silvino Lopes foi entregue à Comissão 261/90 da Prefeitura de São Paulo, criada no mandato da prefeita Luiza Erundina, para acompanhar a identificação das 1.049 ossadas encontradas na vala clandestina do cemitério Dom Bosco, no bairro de Perus. Segundo a versão oficial, Lopes havia se suicidado em 2 de janeiro de 1972, em Natividade. Embora pudesse ser um militante político, seu nome não constava na lista de desaparecidos.



Só um ano mais tarde, em 1992, quando os familiares dos mortos e desaparecidos tiveram acesso aos arquivos do Dops, foi encontrada uma relação elaborada a pedido de Romeu Tuma, diretor da unidade paulista do órgão entre 1977 e 1982. Nela, estava o nome de Ruy Carlos Vieira Berbert com as seguintes observações: preso em Natividade, suicidou-se na Delegacia de Polícia, em 2 de janeiro de 1972. Concluiu-se que João Silvino Lopes era o nome com que fora enterrado Ruy Carlos Vieira Berbert.



Tendo-se como base esse mesmo documento, foi possível saber que seu corpo estava no cemitério de Natividade, mas não em qual local exatamente. Para exumá-lo e fazer a posterior identificação, seria preciso escavar o cemitério inteiro. Membros da Comissão 261/90 explicaram a situação à família Berbert, que, resignada, se contentou com um atestado de óbito, concordando em não fazer a exumação praticamente impossível. O corpo permaneceu no local, mas um enterro simbólico foi realizado na cidade onde seus pais moravam.



Naquele dia, quem passou pela Câmara Municipal de Jales prestou homenagens frente ao caixão vazio de corpo, mas repleto de símbolos. Velaram um corpo que não era corpo, que não sabiam que não era corpo, mas que reverenciavam e o fariam ainda que o soubessem. No cemitério, colocaram a bandeira a meio-pau e cantaram o hino nacional. Tudo isso para o homem que não estava lá.




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